sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PARA GARANTIR AS CONQUISTAS DO GOVERNO LULA

Eleições 2010: Reflexões, paradigmas e esclarecimento


Eda Tassara


As eleições 2010 sugerem algumas perplexidades inquietantes para todos os que, na esteira de um iluminismo renovado, aspiram o crescimento mundial da autonomia política decisória das multidões e buscam viabilizá-lo estrategicamente, pautando-se pelo aforismo de Augusto Boal – a política consiste em tornar possível o necessário.


Se o necessário é a busca pela ampliação da autonomia decisória nas escolhas políticas, o que estamos assistindo é uma ação anti-ética de aproveitamento de forças tanáticas difusas em discursos falaciosos que visam o domínio das mentes e corações. Tais discursos se estruturam sobre uma suposta ética da universalidade das necessidades humanas que, absolutamente, não pode conviver com a paz em um mundo plural, herdeiro de tantos e diversos passados civilizatórios, como diria Hannah Arendt.


Se a identidade brasileira, multi-cultural, multi-social e multi-étnica puder vir a se caracterizar como nacional, aí sim seremos uma nação pacífica e democraticamente exemplar, com nossos problemas tão amplos quanto nossas dimensões geográficas continentais. Penso que, nestas eleições, as ações midiáticas estão estrategicamente atuando na direção do retrocesso dos avanços que, nesse campo, foram magnificamente produzidos no transcorrer da Era Lula. Ou seja, anti-esclarecedoras, propagando-se sobre o exercício de manipulação das piores sombras da ideologia colonial de dominação, cuja manutenção parece-me ser seu objetivo primordial. Para isto é preciso confundir, espalhando condenações arbitrárias, generalizadas, concretizando o fundamento místico da autoridade como força de lei, de acordo com Derrida.


Assim, projetam-se paradigmas de escolha que representam, como máxima força de domínio, a submissão do dominado à ideologia do dominador (Godelier). Busca-se apagar o avanço libertário do Governo Lula, um Hermes cuja imagem, ação e discurso congregam coerentemente a história colonial na direção do tão almejado fim de sua hegemonia excludente. Ao contrário, luta-se para confundir a leitura da nova forma de democratização que estamos processando, aberta, plural e de plenitude de direito, com a velha forma de domínio colonial, a famigerada inclusão consentida, o modelo Casa Grande e Senzala.


O resultado parece ter sido a emergência do paradigma “Tiririca”, presente na manifestação popular pela escolha do palhaço Tiririca (por que não?) e de Marina Silva, na manifestação das camadas intelectualizadas “fashion” que, apoiadas na legitimidade conferida por suas imagens favoráveis nas mídias, afirmam retrocessos libertários contrários ao que caracteriza exaustivamente suas condutas cotidianas, que tanto espanto e desejo de imitação causam nos estrangeiros que aqui chegam.


Fundamentalismos massivamente explorados versus esclarecimentos críticos apresentados de forma distorcida, visando anular seus efeitos pedagógicos para uma verdadeira compreensão da problemática mundial contemporânea e seu contexto necessariamente geopolítico de determinação. A questão ambiental, hoje, tornou-se questão de Estado e de luta de patentes pelo domínio do mundo e do futuro planetário! A propagação de seu discurso, na eleição de 2010, mostrou-se produção estratégica da dominação política, através da manipulação acrítica e fundamentalista de mentes e corações.


O paradigma “Tiririca” representa bem as forças que estão em jogo. Uma popular, expressando com sarcasmo antropofágico, uma crítica orgânica dos discursos políticos populistas: o Tiririca palhaço como um personagem dadaista no seio de um tropicalismo pós-moderno, um Macunaíama. Outra “fashion”, mascarando esteticamente decisões políticas em nome de uma ética universal subjugadora. Como eu gostaria que este debate se realizasse para tornar possível o necessário – a construção de uma identidade nacional plural, para a qual a liderança do Lula contribuiu, incorporando tradições populares e heranças coloniais em contextos geopolíticos contemporâneos e protagonizando avanços nas direções de uma possível paz no planeta, onde divergências possam vir a ser discutidas de forma transparente e esclarecedora.


Não podemos retroceder cobrando de todos avaliações processadas de forma absolutista com base em uma suposta legitimidade de critérios éticos, estéticos e politicos universais, aplicando-se o princípio tão caro à extinta UDN, renascida agora como uma atualização do modelo de “Pax Romana”, como moralidade, concedendo a liberdade de escolha apenas àqueles que a ela se submeterem e assim dominando, impondo suas regras e usufruindo das mesmas. Lutemos pela paz verdadeira, conquistada pelo esclarecimento decisório necessariamente anti-fundamentalista. Tenhamos coragem de incluir “a tendência fashion” como uma manifestação fundamentalista do domínio colonial, capitaneado pelas elites intelectualizadas paulistas que propagam seu discurso para o Brasil deslizando-o de uma estética arbitrária mas dominante, para uma moral que, embora também arbitrária, apresenta-se como inquestionável fonte de verdade. Lutemos pela valorização da imagem da Dilma como representante da continuidade desta luta histórica de combate e extinção do domínio colonial e de seus estertores inovados.


Eda Tassara é professora titular de Psicologia Ambiental da USP


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